A torcida reclama, quer sempre mais, pede a perfeição o tempo todo e vê conspiração nas poucas derrotas que o time sofreu nos últimos 12 meses. O fato é que, mesmo com problemas internos evidentes, o Vasco não para de crescer e exorcizar seus fantasmas. O clássico contra o arqui-rival Flamengo é um exemplo claro. Nas últimas temporadas, a vantagem rubro-negra era flagrante. Até a chegada de Ricardo Gomes/Cristóvão Borges e de gente cascuda, como Diego Souza, Felipe, Dedé, Juninho Pernambucano, Eder Luis e Alecsandro. A disputa se equilibrou. E, se olharmos o retrospecto do último ano, os números favorecem aos cruzmaltinos: 6 jogos, 2 vitórias, três empates e uma derrota. A segunda festa, legítima, merecida e incontestável, foi celebrada ontem, no Engenhão. Vitória por 3 a 2, placar magro e mentiroso. O Vasco jogou para ganhar de mais. O Fla jogou para perder de mais. Inapelável.
Jogo meio estranho, quase utópico. Numa época na qual a ordem é fechar espaços e encurtar a marcação, Flamengo e Vasco tinham o campo inteiro à disposição. Havia muita liberdade. Na prática, não havia nenhuma primeiro volante em campo. Muralha é mais segundo homem do que primeiro. Rômulo, por mais que ocupe a função de contenção, também tem perfil de segundo. O campo estava aberto. E isso explica as quase 50 conclusões na partida (quase 30 – 27, mais exatamente, do Vasco), segundo os números do bom amigo e ótimo jornalista André Rocha. E explica por que o Vasco ganhou. Mesmo com a zaga fragilizada, teve mais organização coletiva. Teve mais atuações individuais de destaque. E, basicamente, hoje tem time melhor do que o do Flamengo.
Duas atuações soberbas no Vasco merecem destaque. Felipe é o primeiro. Os dois gols marcados foram consequência do que jogou. Comandou o time. Ajudou na marcação. Procurou e achou espaços. Jogou com sempre, mas com a diferença de jamais ter apagado em campo. Sua careca, cada vez mais evidente e pública, mostrou muito mais vivacidade, competitividade e vontade do que as longas tranças de Ronaldinho Gaúcho, sempre dispersivo em campo, mas fazendo questão de ser estiloso nos passes. Pouco, muito pouco. Felipe e sua calvície ganharam o duelo de veteranos contra RG. E, diferentemente do placar final, essa disputa particular foi goleada.
A outra atuação soberba foi de Eder Luis. O Vasco tem que se virar para mantê-lo. O time cresce com ele. É um dos jogadores mais modernos do futebol brasileiro. Ataca como ponta, volta como meia, defende como lateral. É um multi-função que qualquer treinador, torcedor ou companheiro sonha ter ao lado. Joogu demais. No mesmo tom, o Fla tinha Kleberson como espelho. Bo segundo tempo, virou volante, mas atacava como meia, chutava de fora como ponta-de-lança e até apareceu para concluir como centroavante. Kleberson jogava por ele e por muita gente (se é que vocês me entendem). Até que Joel Santana fez o favor de tirá-lo para a entrada de Renato Abreu. Aí, o Vasco voltou a ter o controle do jogo. Na mexida errada de Joel, definitivamente o clássico foi decidido.
O Vasco chega a final da Taça Rio contra o Botafogo. Segue firme na Libertadores. Tem problemas, mas tem a dignidade competitiva, o compromentimento profissional e a cumplicidade em campo que o clube sempre mereceu e por tanto tempo sentiu falta. O Vasco dos últimos 12 meses, ganhe ou perca, orgulha o torcedor. Enquanto isso, o Flamengo vê o semestre chegar ao fim, entra num recesso de 28 dias até estrear no Brasileirão e transforma seu futuro num mar de incertezas. O Vasco aprendeu a exorcizar seus fantasmas. O Fla precisa descobrir o antídoto para se libertar do mundo paralelo que não o deixa andar para frente.
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